sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Espectro Político (3): Aplicando o Gráfico de Nolan

Nos posts anteriores vimos, em linhas gerais, quais as convicções de esquerda e direita. Percebemos que cada lado é a favor de certas liberdades, mas contra outras. Onde ficariam aqueles que, assim como David Nolan, concordam com ambas as liberdades? É aí que entra o Gráfico de Nolan. Ele é relevante porque amplia a perspectiva, incluindo "pra cima" e "pra baixo", no dilema entre esquerda e direita.

À esquerda, o eixo das liberdades pessoais; à direita, o das liberdades econômicas
Posicionemos um regime de esquerda e um de direita no gráfico:

Esquerda representada pelo ponto vermelho; direita, pelo ponto azul
Não é tão factível medir liberdades em termos numéricos como na figura, mas consideremos para fins didáticos dois regimes no gráfico: ao traçarmos as coordenadas do regime de direita (ponto azul) vemos que ele teria "70" de liberdade econômica e "20" de liberdade pessoal. Enquanto isso o ponto vermelho situa um regime de esquerda, com "70" de liberdade pessoal e "20" de econômica. Em ambos os casos, a soma de ambos dá 90, só mudando a distribuição em 70/20 ou 20/70. Como se vê, não importa o quanto se ande da direita pra esquerda (ou da esquerda pra direita), não há ganho de liberdade, ela se mantém a mesma, só distribuída de forma diferente.

A diferença acontece quando nos movemos pra cima ou pra baixo no gráfico:

Traçando as mesmas coordenadas para o ponto verde, vemos que ele corresponde a 80 em ambos os eixos, o que nos daria "160" de liberdade. Assim, o ponto máximo de liberdade está no topo (100,100) enquanto o mínimo está na parte de baixo (0,0). Agora que entendemos o funcionamento do gráfico, passemos à figura que representa alguns regimes nele:



Teocracia
A teocracia islâmica é um bom exemplo. O islã é muito liberal em relação à produção e especialmente ao comércio. O direito à propriedade também é firmemente protegido, a pena para o roubo é perder uma mão.

Por outro lado, o Islã viola grosseiramente a liberdade pessoal. De seu comportamento sexual até o que comer e beber, o islã dita o que se pode ou não fazer. Mudar de religião é punível com a morte.

O homem que vive sob uma teocracia islâmica está muito próximo do canto direito da figura. Tem muita liberdade econômica e pouca liberdade pessoal. Já para uma mulher é diferente.

No islã a mulher é tratada praticamente como propriedade do homem, de seu pai ou marido. Daquela liberdade econômica que o homem tem ela não compartilha, muitas atividades são vedadas às mulheres, como dirigir automóveis.

Além de não possuir a mesma liberdade econômica do homem, a mulher tem ainda menos liberdade pessoal. De como se vestir até com quem, quando e o que pode falar ou quando e com quem casar, a vida da mulher é ditada pela lei islâmica e pela vontade dos homens. Uma mulher não pode sair de casa sem ser acompanhada por um homem da família.

Mulheres e homens na teocracia islâmica: mulheres têm (seta 1) menos liberdade econômica e (seta 2) menos liberdade pessoal

Para uma mulher, portanto, a teocracia islâmica é um regime que está abaixo do que o mesmo regime representa para um homem, por lhe dar menos liberdade econômica. Está ainda mais abaixo por dar-lhe ainda menos liberdade pessoal.

Comunismo
Já o ideal comunista é de uma sociedade em que toda a ação econômica é planejada, evitando os “problemas” e “injustiças” do Capitalismo[1]. Quanto à vida pessoal do cidadão, com isso o comunista se preocupa pouco. Em troca da completa escravidão econômica, oferece liberdade pessoal.

Como comentei no post passado, é claro que na prática isto não funciona. As pessoas não se esforçam para produzir quando sabem que o resultado não será para seu próprio proveito. As pessoas não aceitam docilmente a escravidão, mesmo quando o mestre de escravos é um governo que eles mesmos colocaram no poder.

A história de todos os regimes deste gênero é de uma progressiva violação das liberdades pessoais, necessária para conseguir manter a dominação econômica. É esta a explicação para a supressão da religião, da liberdade de imprensa, da liberdade de ir e vir, da leitura de livros “ideologicamente incorretos” e todas as demais violações de liberdade pessoal que sempre acompanham o Comunismo.

Governos que dominam a vida econômica: inicialmente pode haver liberdade pessoal, mas a manutenção do controle estatal da economia requer um governo progressivamente totalitário (1)

A Venezuela de hoje é um excelente exemplo de como um regime que pretende controlar a economia progressivamente viola também as liberdades pessoais para conseguir manter-se no poder – mesmo quando originalmente eleito por desejo popular.

Capitalismo e Anarquia
O sistema político que leva à existência de Capitalismo é o dos direitos individuais. Ao garantir a todos os indivíduos os direitos à vida, propriedade e liberdade, naturalmente estes interagirão apenas voluntariamente.

No plano econômico, isto significa uma economia baseada na troca voluntária. Como a causa política e a conseqüência econômica são inseparáveis, pode-se chamar o sistema político de Capitalismo.

A situação do cidadão que tem assegurados seus três direitos individuais é a de liberdade absoluta. É literalmente impossível ser mais livre que isto do ponto de vista político. Livre de ameaças contra sua vida e sua propriedade, e livre para tomar suas decisões, o indivíduo está completamente livre.

Duas linhas de pensamento contestam esta verdade. O pensamento de esquerda argumenta que sem garantias de sobrevivência (comida, abrigo, saúde, educação...) o indivíduo não é realmente livre. Este argumento conflita a liberdade política com o fato de que o homem precisa produzir para viver.

Sem comida, abrigo e tudo mais a vida do indivíduo certamente está em risco. Mas esta não é uma ameaça política – não é uma pessoa que está criando aquele risco, é a própria realidade. É parte da natureza humana precisar de bens materiais para viver e é um fato da realidade que estas coisas precisam ser produzidas.

A outra contestação vem do anarquismo. Não seria ainda mais livre um indivíduo que pudesse fazer QUALQUER COISA que quisesse? O governo que o impede de matar e roubar não está diminuindo sua liberdade? Não seria a anarquia o verdadeiro ponto máximo do espectro de liberdade? (Ou seja, anarquia aqui no sentido vulgar de "ausência de ordem").

Não. O pensamento anarquista, nesses termos, contém uma contradição interna. Ao mesmo tempo o anarquista quer poder fazer qualquer coisa (inclusive violar os direitos dos outros) e espera que o mesmo não se reflita contra si. Querem a liberdade de tirar a liberdade alheia.

Se o anarquista tem a “liberdade” de matar e roubar, os outros também têm a “liberdade” de matá-lo e roubá-lo. Em que situação se está mais livre – quando não se pode matar e roubar e não existe nenhuma ameaça contra sua própria vida ou na anarquia em que se pode fazer qualquer coisa, mas qualquer coisa pode ser feita contra você?

Se liberdade é a ausência de ameaças contra sua vida e propriedade, a resposta é evidente. No Capitalismo ninguém pode ameaçar seus direitos. Na anarquia todos podem ameaçá-lo o tempo todo – e você precisa se defender continuamente, fisicamente.

A anarquia se encontra na zona cinzenta central. Trata-se de uma situação em que as ameaças contra a liberdade política e econômica não são baseadas em uma tese política nem são feitas pelo governo. Na anarquia a liberdade pessoal e econômica é ameaçada continuamente por todas as pessoas em volta.



Seu vizinho que não gosta da música que você ouve poderia te dar um tiro. O carro que você estacionou na rua pode ser levado. O computador que você usa pra pregar a anarquia na internet pode ser roubado de você. Anarquia é isso, cada um tem a sua regra, o que significa que não há regra nenhuma. A “liberdade” de violar o direito alheio vem à custa da liberdade real.

O anarquista argumenta que as pessoas se organizarão voluntariamente para defenderem seus direitos. Ora, isto significa que formarão um governo – e está acabada a anarquia. Um governo formado e financiado voluntariamente para defender os direitos individuais é um governo Capitalista.

O Capitalismo, portanto, é realmente o ponto mais alto do espectro político. É impossível ser mais livre.

PS: as concepções sobre anarquia não se resumem a postular "ausência de ordem". Muito pelo contrário, tanto o "anarco-comunismo" quanto o "anarco-capitalismo" preveem formas pelas quais a sociedade alcançaria a ordem, de forma voluntária. Isto será discutido em mais detalhes mais à frente.

*Produzido a partir de vários posts do blog ocapitalista.com.br
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[1]- Para ser mais exato, a etapa em que o Estado dirige toda a economia seria socialismo. Comunismo seria o que ocorreria após o socialismo tomar o lugar do capitalismo, implicando o desaparecimento das classes sociais e do próprio Estado. Ou seja, o socialismo é uma etapa para se alcançar o objetivo comunista — e, é bom frisar, esquerdistas reinvindicam Estado Máximo pra alcançar o ideal comunista de "Estado nenhum", mas, depois que obtêm o inchaço estatal que queriam, fica por isso mesmo e jamais entregam a tal sociedade ideal livre do Estado. Como não podia deixar de ser, quanto mais se aumenta o Estado, pior fica.

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