domingo, 2 de setembro de 2012

Direitos Legítimos (3): a natureza humana


No post passado apresentei a perspectiva dos direitos como liberdades, não como garantias, e foi feita a afirmação de que "o ponto fundamental sobre os direitos individuais é que todos os possuem igualmente por serem conseqüência da natureza humana – e como conseqüência os direitos de duas pessoas nunca estão em conflito."

O que é esta natureza humana? A primeira coisa que quero deixar clara é o que NÃO É essa natureza humana. Não se trata de uma natureza sagrada, nem divina. Um religioso poderia defender o direito à vida, por exemplo, dizendo que a vida é sagrada, segundo Deus. Sem dúvida, se Deus existe, a vida pode ser o que Ele determinar que é, mas e se Ele não existe? Não se pode criar uma base política destinada a reger a vida de todos com base em algo em que só alguns acreditam — e, principalmente, quando só alguns reinvindicam o poder de "interpretar" o que essa base diz ou deixa de dizer.

A saída que muitos têm encontrado então é apelar a alguma condição de dignidade "maior" e inerente a nós, como se o universo tivesse guardado em algum lugar um atestado de que a raça humana é a coisa mais importante e nobre da existência e que merece tudo de bom. Enquanto não aparece tal atestado e o universo continua não se torcendo pra atender nossos desejos e reverenciar o quanto somos especiais, melhor procurar outra base.

O fundamento dos direitos que vou deixar aqui é pura e simplesmente fático. A abordagem é pragmática.

Há apenas duas formas de interagir com outras pessoas: a persuasão e a força.

Para se viver pela força não são necessários direitos; tudo é mera questão de quem tem mais força física, ou mais astúcia (ou ambos) para obter o que quer de qualquer um, mesmo se for contrariamente aos interesses desse um.

E para viver pela persuasão, do que o homem precisa?

Primeiro vamos entender o que é viver pela persuasão. Isso significa respeitar as decisões dos demais indivíduos tal como esperamos que as nossas sejam respeitadas. Significa respeitar a autonomia da vontade de cada dos demais em decidir, por conta própria, o que é ou não vantajoso para si; significa que, se quisermos que outros cooperem conosco, façam ou deixem de fazer algo que queiramos teremos que fazer com que decidam por isso. Em vez de simplesmente ir lá e forçá-los a fazer, interagimos uns com os outros pela razão.

Não é difícil perceber que, enquanto vivemos pela força, em geral para que um ganhe outro tem de perder; já na perspectiva da persuasão as relações humanas se dão num sistema de ganha-ganha. Se eu tenho pão e quero manteiga, em vez de simplesmente TOMAR sua manteiga eu preciso oferecer algo em troca para que seja vantajoso para você também me dar sua manteiga.

Para viver pela persuasão precisamos exercer a razão, permitir que outros a exerçam e, o que nos interessa aqui, garantir que todos possam agir conforme sua razão determine. Como fazer isso?

Para exercer a Razão, é necessário observar a realidade, integrar as percepções em conceitos, entender a relação causal entre as coisas e, finalmente, agir com base neste entendimento. Só então é possível agir de maneira a atingir um determinado objetivo – sem compreender a causalidade que existe em um dado contexto é impossível prever os resultados das próprias ações.

Percebe-se que o exercício da Razão só é possível quando o indivíduo pode observar a realidade, pensar e agir de acordo com seu entendimento. Se o indivíduo é impedido de perceber a realidade ou de agir conforme indica seu entendimento, exercer a Razão em sua vida é impossível.

Como a existência humana é uma existência material, é preciso criar os produtos materiais necessários ao suprimento destas necessidades. Os produtos materiais criados precisam então ser usados para suprir as necessidades identificadas. Este é o princípio da Produtividade (e atenção a ele, pois veremos nos posts seguintes o quanto ele é negligenciado pelo pensamento anti-capitalista)

Percebe-se que o exercício da Produtividade só é possível quando o indivíduo pode observar a si mesmo e determinar suas necessidades. Só é possível quando o indivíduo pode agir de acordo com seu entendimento para produzir aquilo de material que julga necessário à própria vida. Só é possível quando ele pode usar aquilo que produziu para os fins que determinou. Se o indivíduo é impedido de produzir, ou de usar o que produziu, exercer a Produtividade em sua vida é impossível.

A Produtividade, exercida individualmente e com base no entendimento racional do indivíduo sobre o que sua vida requer e sobre como obtê-lo, é condição essencial para a vida material de um ser racional.



São estes fatos que tenho em mente quando falo da natureza humana. Leva-se em conta o que é o homem, e principalmente como se dá a relação entre os homens e a realidade, qual a configuração de coisas que encontramos nesse mundo e como lidar com ela. Todos estão sujeitos a estas mesmas circunstâncias, e é por isso que os direitos que serão deduzidos a partir delas no próximo post se aplicam a todos.

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